Coach do Coach

Os melhores profissionais e as melhores equipas têm um denominador comum: serem peritos nas competências intra e inter que perfazem as relações interpessoais entre todos os objectivos, as ferramentas e os meios.


segunda-feira, 18 de abril de 2016

Artigo O que faz um treinador campeão?

Artigo aqui:

O que faz um treinador vencer mais do que os outros é um tema que cativa quem gosta de futebol ou de outro qualquer desporto.

Passamos horas a fio, se necessário, a justificar as razões que levam alguns treinadores a conseguir retirar dos seus atletas e equipas melhores rendimentos do que outros. E nem sempre aqueles que o conseguem são os campeões.

Primeiro, porque apenas pode existir um campeão por competição e depois, talvez ainda mais importante, porque há treinadores que fazem trabalhos espetaculares e que potenciam e superam em muito o rendimento habitual dos seus atletas, mas mesmo assim, isso não chega para levá-los a atingir objetivos.

De regresso à questão, há duas formas de responder a esta pergunta. Uma muito simples e outra bem mais complexa, se é que terá mesmo uma resposta estilo-receita.
É campeão quem vence mais, quem supera os adversários em pontos.

A segunda forma de responder é bem mais complexa. Quais são concretamente as ações e crenças de um treinador campeão? Será que são muito diferentes de quem nunca vence e tem as mesmas condições de trabalho e recursos para sê-lo? O que fará a diferença num treinador para que, em determinados momentos, vença mais?

Pontos comuns e de divergência

Retiramos os fatores sorte ou azar. Existem, porque o jogo em si tem esses fatores inerentes, mas existem para todos. Passamos à frente e entramos nas áreas das ações, liderança e relações de um treinador. O que faz e e o que pensa?
Para se chegar a uma conclusão, entrevistaram-se doze treinadores de desportos coletivos que se sagraram campeões nacionais em seniores. E o que se constatou foi:
  • Em áreas como a comunicação, motivação, relação consigo próprio ou com os atletas, regras coletivas, retórica do treinador e métodos de treino e organização existem semelhanças. Ou seja, existe claramente um denominador comum que, não invalidando o facto de cada treinador ser naturalmente diferente de um outro, mantém aspetos iguais nas áreas fundamentais da função de orientar uma equipa;
  • Contudo, também existem diferenças evidentes nestas mesmas áreas. Menos e não sabemos se têm maior ou menor impacto na obtenção dos resultados. Mais interessante do que olhar para as diferenças é ver que algumas ideias são precisamente opostas, o que pode levantar a certeza de que não existem caminhos únicos para se chegar ao mesmo objetivo;
  • As competências comportamentais mais referenciadas pelos treinadores são a capacidade de se ser flexível perante as condições que encontram, e a adaptabilidade. A relação com os jogadores e maneira de lidar com as especificidades de cada atleta, a interação com os dirigentes, a diferente abordagem que merecem os vários contextos competitivos e até a forma de estar e ser perante o grupo são fundamentais. Quem não conseguir ser flexível e ter capacidade de adaptar-se não consegue o compromisso, a entrega, a união e a inteligência coletiva tão necessárias para poder-se atingir elevados desempenhos;
  • Não há receitas e os treinadores confessam em unanimidade que um dos denominadores comuns que gera o sucesso é a capacidade de o treinador conseguir duas coisas: perceber qual o perfil de liderança mais eficiente para o contexto que está inserido; e a capacidade de ser aquilo que o contexto necessita, sendo que aumenta a capacidade de sucesso se o seu perfil intencionalmente genuíno estiver próximo deste;
  • Um terço dos treinadores que participou neste estudo foi campeão com equipas femininas, sendo que houve respostas específicas por parte dos mesmos. O que poderá levantar possíveis pistas para perceber se a liderança em contextos femininos, na opinião de um treinador, terá de ser diferente ou não da do contexto masculino;
  • Há quase uma bipolaridade das ações de liderança de todos os treinadores, que passa por equilibrar a sua intenção de liderar e controlar tudo, ao mesmo tempo que verbalizam que as ações dos jogadores são aquelas que menos podem controlar.
O treinador tem impacto brutal no jogador
Sabe-se que ninguém é campeão copiando o que um outro campeão faz.
Não faz sentido pensar-se de modo igual apenas por intenção, porque o cruzamento das ações, crenças e sentimentos altera o produto que um treinador fabrica. Nem copiar porque os recetores – os atletas – da liderança, mensagem e ação são diferentes, e isso condiciona em muito a eficiência de um técnico.
Por outro lado, sabemos que a mensagem tem de ser captada pelo atleta. Que o treinador tem um impacto brutal no desempenho e entrega do jogador. Que as regras coletivas têm de aportar a competência individual e coletiva. E que, não havendo receitas, há comportamentos que geram quase sempre insucesso e incapacidade do jogador e da equipa em querer estar com o treinador onde quer que seja. 
*Este artigo é baseado num estudo composto por entrevistas a doze treinadores de desportos coletivos, que foram campeões por clubes no escalão de seniores e na principal competição do país onde treinaram. 

quarta-feira, 6 de abril de 2016

Será que é mesmo possível ler o futebol (apenas) pelos números?

Somos confrontados a toda a hora, durante todos os dias e mesmo fora da época desportiva, com números e mais números. Estatísticas individuais, coletivas e das competições. Estuda-se quem corre mais, quem passa mais, melhor e para onde, os índices físicos e muito mais.

As equipas técnicas, mesmo de clubes com menores recursos e a participar em competições menos formais, têm à disposição um conjunto enorme de dados. E aqui existem treinadores que tomam mais ou menos decisões a partir dos dados estatísticos que são gerados pelos seus jogadores e/ou fornecidos pelas diversas ferramentas.
Mesmos aqueles que gostam de ver o desporto e o futebol de um modo mais apaixonado também se agarram aos números. A verdade é que todos nos agarramos. Quem marca mais. Quem defende mais. Em termos coletivos, tudo serve para comparar e hierarquizar uma equipa à frente da outra. E se os treinadores assumem explicitamente que tomam decisões de acordo com os sentimentos, experiência, o tal feeling, também gostam de diminuir esse erro subjetivo da análise de uma situação através da intuição ou dedução com o recurso aos dados estatísticos.

A questão é saber, se é que podemos ter uma resposta quantitativa, qual o peso dos números no futebol hoje durante a gestão e o treino de uma equipa?
Quantas decisões tomadas por parte de uma equipa técnica ou do treinador principal surgem considerando os dados que lhes são fornecidos na hora ou durante a preparação de um jogo?

A tomada de decisão é semelhante com ou sem dados estatísticos
Estudos sobre a tomada de decisão do ser humano indicam-nos que o processo é muito semelhante antes e após receber informação relevante. Talvez porque a emoção se sobreponha muito à razão nestas questões, ou porque os técnicos dão muito valor às crenças e sentimentos na hora de uma decisão e aí estas levem a melhor sobre os  dados estatísticos.

A utilização de números e estatísticas requer, até mais do que bons números, duas necessidades: estar predisposto para receber e utilizar dados quantitativos; e saber ler esses mesmos dados.

Aqui enquadra-se outra matéria muito interessante: não olhamos todos para os mesmos lances do mesmo modo, tal como não observamos os dados e retiramos todos as mesmas conclusões. Então em que ficamos? A inclusão de estatísticas no futebol, tal como são utilizadas de modo intensivo nos desportos americanos a tal ponto de terem surgido situações como as que geraram o livro e, posteriormente, o filme Moneyball, uma história verídica de Basebol  será mais tarde ou mais cedo uma realidade com impacto no dia-a-dia de um treinador.
Mais do que ter milhares de dados é importante ter e saber ler aqueles que nos podem interessar.»
Não nos parece que as estatísticas e dados quantitativos sejam suficientes para tomar boas decisões. Nem no futebol nem em muitos outros campos. São um instrumento relevante? Sim, mas mais do que ter à nossa disposição milhares de dados, é mais importante ter e saber ler aqueles que nos podem interessar para as decisões que temos de tomar.

José Mourinho, Pep Guardiola, Rui Vitória, Jorge Jesus, Claudio Ranieri... Acredito que todos eles recebam de um modo filtrado um conjunto de informações que geradas após a utilização de dados quantitativos.

Também acredito que às vezes informem alguns destes treinadores que o jogador X está com melhores resultados em determinados indicadores importantes que o jogador Y, e que os mesmos, paradoxalmente, continuem a optar pelo que apresenta piores índices. Porquê? Só a cabeça de um técnico pode ter a resposta, embora possamos especular, com algum grau de certeza, que ainda há muita informação num jogador, equipa e treinador longe de ser captada por estatísticas.